sábado, 5 de outubro de 2013

ETERNO RETORNO

No pulsar da vida
a cena se repetia
como se fosse possível
o tempo se atrapalhar.

Os dias idos não iam,
perdidos no passado,
o futuro se atrevia
a bater na porta
e não entrar.

Faltavam argumentos
para, enfim, justificar.

Mas o que é o tempo
se não fingimento
de lógica linear!?

Aprendamos com ele
a arte de adulterar.

HARPA

Se encantou pela donzela
bela e adormecida.
Sem sorriso
e também sem voz.

Pura foi a nudez
crua do desnudar-se.

E abrasava, chorando,
conservava-se são.

Com ares de ancião
aos cem pôde amar.
E amar-se!

Sem pressa
fez-se harpa,
e a vida,
escandalosamente,
começou a cantar.

TEMPOS NOVOS

Em tempos difíceis
decisões que nos permitem
dizer apenas sim,
como se as limitações
não fossem tão frágeis,
como se as lágrimas
não fossem ágeis
e o pretexto não fosse esperar.

Em tempos novos
diferentes doses
de paciência e compreensão,
diferentes nortes,
diferentes mortes
pra ressuscitar.

O próprio tempo
que não nos permite ultrapassar,
argumentos fúteis,
fugas que são até úteis:
doce desculpa pra superar.

Enfim, pra ser feliz
é preciso saber ir
mas, principalmente,
não pensar em voltar.



quarta-feira, 24 de julho de 2013

NUNCA MAIS

Se fez inundação nos olhos
como se tudo fosse lágrimas,
como se a despedida fosse embora
e o amanhã já não importasse.

Teria dito todas as palavras
há tanto reprimidas
e talvez nem precisasse
de muita explicação. 

Mas apenas deixou
que elas também fossem embora.

Outro não-acontecimento
para o reino do Nunca Mais. 

LUA

Lua cheia de Neruda
lotada de agonia
ilude todo um labirinto
de lobos enlouquecidos, a uivar.

Influencia ondas do corpo,
moda de bobos,
oferendas para Iemanjá.

Há de servir-se dos ardores lascivos
de outrora,
dos humores indevidos, das investidas vãs,
para escapar do peso
e, na gravidade, se equilibrar.

Lua cerrada
em seu ciclo entediante
gira no salão do espaço sideral.

Embala, por engano,
a noite dos amantes.

Não há baile mais vazio.
Sua dança não tem par.

domingo, 7 de julho de 2013

JOÃO E O PÉ DE FEIJÃO

Lá no alto
(de onde me mira)
talvez seja frio,
talvez haja dragões.

O ar mais rarefeito,
talvez.

De tão remoto
não sei
se é alegre
ao sorrir.

Mas não ouso
ir tão longe.
Não sei como subir.

Poderia até
convidá-lo pra descer
(também há vida
aqui embaixo).

Mas acontece que
nem sei
se respiramos
o mesmo ar!

Não me atrevo,
sequer,
a tentar responder.

Prefiro vê-lo sorrir,
distante.
Sem conflitos,
me deixo ficar.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

VIAGEM

Quando a noite
não pode ser
mais negra,
e o céu desaba
sobre a minha cabeça,
as estrelas são agulhas
querendo curar.

Quando os gatos
não podem ter
olhos tão grandes,
e me olham
do lado de fora.
Trepados no carro,
querendo pular.

É nessa hora
que a viagem
se faz amorfa
e esmaga o consciente.
Massa de modelar.

E a massa cinzenta
vira arco-íris,
o céu não é o limite,
a matéria
não ousa moldar.

domingo, 19 de maio de 2013

BONECOS DE REPETIÇÃO

Educação precária
gera sujeitos rasos,
erros crassos,
bonecos de repetição.

Aceitar a imposição
não se exige,
mas a bolha
também não cinde.
Transparente,
não é de sabão.

Ditadura
da aceitação.
Obediência burra.
Só não há verdade!

Pura realidade,
dura constatação.

REAÇÃO

Como bocejo
que contagia
ou canto
de bem-te-vi.

Como a noite
depois do dia
ou eco
a repetir.

Basta abrir
aqui uma porta
e logo outra
irá se abrir.

Como clichê
mais antigo,
entendimento
multicultural.

Maniqueísmo
mesquinho.

Mordida
na fruta
do pecado original.

Chuva
de coisas que voltam.
Bumerangue sentimental.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

MUST GO ON

Este frevo
me cala a alma
e, colorido
com sombrinhas,
me incita a dançar.

O baile 
me quer sublimar.
Mas meu ritmo
é silêncio.

Não falo
o que penso.
Não lembro 
dos fardos.

Mesmo sendo 
o encanto
passageiro,
o show 
tem que continuar.

domingo, 28 de abril de 2013

AMOR DE CRIANÇA


Ela amava mas não dizia.
Andava de bicicleta,
dormia.
Corria de vestido,
sorria.
E, em segredo,
bendizia.

Ele era esperto
e percebia.

Corria pra praça,
se escondia.
Inventava namorada,
maldizia.
Brigava, maltratava.
Correspondia.

Nos olhos de ambos
havia
vontade de pular.

Mas a água
era tão fria!

quarta-feira, 3 de abril de 2013

REINO MEU

É farto meu reino
fruto de tanta
imaginação.

É largo o recreio
e mais parece
aula de auto exibição.

É teatral o desejo
de ser feliz
e nem mesmo por um bis
ousaria dizer que não.

É sensacional
meu dom
de sofrimento
e superação.

É normal ser artista
cantora, malabarista,
terapeuta, balconista
e mendiga desse pão.

SEGREDO

Posso ler seus versos
sem vê-los
e sorvê-los
com a minha boca.
E lamber os cantos
das estórias bobas
que contas
fingindo que estou a escutar.

Posso fazer calar
com meu solo.
Ser colóquio
ou distração.
E auscultar seu vazio,
e entender seu baião.

Posso decifrar o seu riso
que é mais meu
que de ninguém.
E, sabendo que sabes,
fingir que não sei.

terça-feira, 19 de março de 2013

POLVO DE MIL BRAÇOS

Um polvo de mil braços
me aponta a direção.
Sem peso na consciência,
sem respeitar a tradição.

Há um dedo do destino
ou apenas contramão?

Esse polvo de mil braços
mil abraços me quer dar.
Acolhida não é o norte
nem o sul desse lugar.

E os braços e abraços,
cansados de se esquivar,
se vestem de cuidados.

Tanta roupa, tanto fardo,
pode um dia enfadar.

Se arrasta pro meu lado.
Que mais pode querer?
Com algum dos tantos olhos
há de ainda piscar?

Soberano no aquário
de oceano do meu lar.

Parece que o polvo
me quer povoar.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

OCA

Te deixo ir.
Sem certeza,
mas sem culpa.

Como os versos
que o poeta
deixa
pra alguém usar.

Te deixo ir.
Sabendo
que não tem mais volta.
Sem medo, sem revolta.
Como quem
sabe esperar.

Te deixo ir
porque não posso
te amarrar.

Mas fico
oca.
Como quem
não sabe ficar.